
POR REVISTA MALEMBE #4
11 de junho. É domingo de manhã quando vamos ao encontro de Maria Valéria Rezende e somos recebidos pelo aviso no jardim de sua casa: “Tu vens chegando pra brincar no meu quintal”. Por certo, o mesmo onde ela descobriu haicais, em seu livro “Hai-quintal”. Porque esse quintal parece viver no lúdico das palavras. E sobretudo nessa atmosfera de haicai, que se prova certeira: Maria Valéria causa mesmo uma impressão instantânea. Basta encontrá-la e ouvi-la. É o que buscamos, dali para o terraço, onde também fica a estante de livros. O domingo segue entre as histórias do que viveu com a sua geração e o novo romance no qual está trabalhando. Entre o encontro do “Mulherio das Letras”, a ser realizado em outubro, e o feminismo na literatura contemporânea. Temas que atravessa com o mesmo prazer com que retorna às palavras em sua carta a uma rainha louca.
Em Porto Alegre, você refez o caminho da personagem Alice para escrever Quarenta dias. Já Outros Cantos, traz reminiscências de sua experiência como educadora no sertão pernambucano. O quão importante é para um autor “vivenciar” o romance que está determinado a escrever?
Olha, não foi bem assim. A história desse livro é longa. Porque todos os meus romances são longas histórias. Porque como eu não tenho as condições que eu ouço, ou que eu vejo e leio nas entrevistas dos “escritores” [ênfase]… Então, aquele caso típico do sujeito que diz: “não, como é a sua rotina de escritor?”. Todo jornalista me pergunta isso. “Mas que rotina?”. Eu acredito que mulher nenhuma tenha rotina de escritora. Não existe rotina de escritora pra gente. A gente tem muito mais tarefas. Quando alguém tá doente, não vai telefonar prum rapaz pra dizer: “olha, o que que eu faço?”. Telefona pra gente, não é? As mulheres é que têm que resolver essas coisas. Vamos ser verdadeiros. Não é uma questão de vitimismo, de mimimi, como muitos têm nos acusado. Não, é fato, meu filho! Use instrumentos científicos pra medir isso, que você vai ver. Então, veja, eu levo muitos anos pensando num romance. Enquanto isso, eu tô fazendo tradução. Porque a tradução é serviço prestado, me pagam na hora. Quando eu recebo uma coisa extra, dá pra eu me dedicar a terminar o meu romance. Então, é por momentos assim. O último romance que eu tinha publicado foi O voo da guará vermelha, que eu publiquei em 2005. E eu só fui publicar outro romance em 2014. Isso porque eu já tinha ganho uma bolsa da Petrobrás. E aí, vai, eu ganho o Jabuti. Mas esse livro de Porto Alegre faz muito tempo que tava na minha cabeça, por causa de uma experiência que me aconteceu um dia. A faxineira que fazia a limpeza de casa – eu recebo um telefonema, 21:30h, que eu não entendia quase nada, que era aquele celular daquele tempo, que já tava sem bateria. Então, eu ouvi: “Severino. Trauma. Moto”. Eu disse: “pronto, Severino, marido da Ana, que sofreu um acidente de moto, e tá no Trauma” – o Trauma era novinho ainda. Eu corri lá – isso faz quinze anos. Cheguei lá e descobri que as mulheres […] não tava previsto que ninguém ficasse dentro do hospital. A família tinha que ir embora e vir no dia seguinte. Não tinha nem cadeira no saguão. Mas só que as mulheres não iam embora. Elas ficavam sentadas no meio-fio, ali onde tem um jardim pra pousar helicóptero. E aí eu não tive coragem de ir embora. A verdade é que eu fiquei 48h por conta dessas mulheres. E com isso eu fui descobrindo – em João Pessoa, em lugares que eu costumava passar frequentemente, e que eu não reparava, que tinha um bequinho de um metro, assim, entre uma casa e outra, as fachadas das ruas principais… Você entra por aquele beco ali, você cai num outro mundo. E eu, um pouco assim, me sentindo em dívida pra com aquelas mulheres… Porque depois de 48h, já não tinha mais dinheiro no caixa eletrônico, não tinha mais gasolina no carro. Mas eu tinha rodado com elas por buracos que eu nunca imaginava, né? E aí, aquela coisa ficou assim pra mim. Primeiro: porque eu percebi que podia ficar ali quarenta dias, quarenta noites, porque ia ter gente precisando de ajuda. Segundo: que a cidade tem um avesso. Toda cidade tem uma parte que ela quer esquecer, que ela quer esconder. Onde vivem as pessoas que são invisíveis. Bom, isso foi uma coisa. Mas aí eu fiquei com aquela ideia: “isso aqui, eu tinha que escrever um romance”. A maneira de dizer: “olha pra isso”, seria essa. Porque, pra mim, eu só escrevo por isso. Então, tem o escritor que se tranca numa quitinete e escreve a partir das suas angústias, das suas experiências interiores – “o mundo interessante sou eu”. Pra mim, nunca foi. Pra mim, o mundo interessante é o que me entra pelos cinco sentidos e que tem que haver com os outros, certo? Talvez pela minha própria profissão, minha história, minha geração – quer dizer, a gente tá preocupado é com o que tá acontecendo. Porque a minha geração foi a que foi chocada pela desigualdade do Brasil. Porque, até os anos cinquenta, não tinha televisão – a televisão começou em 1950. Era chuva e trovoada só – ficava tudo […] E era coisa local, tudo ao vivo. Então, você não sabia o que acontecia no resto do Brasil. Era mais fácil as pessoas conhecerem Paris do que o interior do Brasil. Não tinha bem nem Brasília, não tinha nada. Então, pra mim, sempre o mundo de fora foi muito mais interessante do que ficar interessada nos meus grandes dramas. Eu não tenho grandes dramas. Os meus dramas, desde muito cedo, foram os de fora, entendeu? Quer dizer, como que a gente vive num país que acontece isso? Então, a minha geração foi a que descobriu ao vivo a injustiça. E não lendo Marx. [Era o processo de viver] e de ser chocado. Então, pra mim, ouvir os outros sempre foi a minha fonte de trabalho e se tornou a minha fonte de literatura. No fundo, ouvir história, contar história, recontar histórias, foi tudo o que eu fiz a minha vida toda. Pra mim, só me interessa escrever sobre aquilo que me espantou, que me sensibilizou, que eu vi. E dizer: “gente, olha pra isso”. É o que eu tento fazer. Então, tanto faz ser recuperando coisas de muito tempos atrás – e que eu não faço nunca literalmente. O Quarenta dias, ele não é biográfico. No sentido de que aquela pessoa não sou eu, o modo como ele viveu e saiu, não foi o meu. Só que o cenário que ela descreve, esse sim. Isso eu vi, vivi, sabe? Então, eu achei que tava na hora.
Atualmente você trabalha em um romance que se passa no período colonial, chamado Carta à rainha louca. Do ponto de vista estético, da linguagem, quais as maiores dificuldades ao representar esse período? Como se deu o trabalho de pesquisa?
Olha, a verdade é a seguinte: eu tô tentando […] sabe por quê? Sentar e escrever história já ficou uma coisa, assim, vamos dizer, fácil. Ainda mais com o exercício no Clube do Conto – que isso é fundamental. Agora ele ficou bem abalado com várias perdas que nós tivemos. E depois, também, os mais velhos viraram avós, os mais novos tão estudando pra concurso. A gente tá numa fase que precisa remontar o Clube com gente nova. Então, é um exercício – toda semana a gente se dava um tema, e todo mundo se virava. Eu, muitas vezes, era assim – era no sábado de manhã que eu tinha tempo pra escrever um conto, pra entregar de tarde. E haja bolar uma história e escrever. Então, às vezes você fazia brincadeira – quase, né? Eu tenho um montinho de contos aí, que eu já tô pensando em procurar uma editora que queira fazer assim: um voluminho de “histórias nada sérias”. Porque são exercícios ótimos. A melhor oficina literária que pode haver é uma coisa como o Clube do Conto, que não tem mestre. Primeiro: que você já escreve sabendo que tem leitor esperando por você. Então, você tem uma motivação, você tá conversando com alguém. E segundo: que todo mundo criticava todo mundo. Todo mundo se mete. É, inclusive, muito bom pra um escritor já publicado ouvir a crítica do garoto que tá começando. Ainda tá escrevendo só ali, sabe? E, às vezes, ele vai em cima da onde que não funciona. Porque ele é o meu leitor. Então, isso tava ficando fácil, assim, escrever. Aí, eu me pus um desafio. Porque a ideia de escrever esse romance é antiga. Durante o final dos anos setenta, e a primeira metade dos anos oitenta, eu fiz muita pesquisa histórica. Sobretudo sobre a mulher na América Latina no período colonial, etc., que não havia quase nada. E eu comecei a meter a cara. Acabei no Arquivo [Histórico] Ultramarino, de Lisboa. E no Arquivo Geral das Índias, em Sevilha. Porque, durante um período, o Brasil foi Espanha, né? Final do XVI e começo do XVII. E eu achei, nos documentos não-classificados, um processo que tava incompleto […] que tinha uma carta de um visitador enviado pelo arcebispo pra ir lá, verificar uma acusação que tinha sido feita de uma mulher que tava tentando criar um convento clandestino, na região das minas. Você não podia fazer nada sem ordem dos oficiais da Coroa, ou do próprio rei. E o enviado do arcebispo volta com uma carta, um relatório, dizendo que não – que era uma mulher que não tinha podido se casar, não tinha dote, mas não era um convento. Aí tem uma segunda carta – que as acusações continuaram – lá foi-se outro. Que disse: “não, essa mulher é muito astuciosa. Ela enganou o primeiro visitador”. E aí tem uma carta dela, de defesa. Que é interessantíssima. Porque é uma carta bastante irônica. E eu consegui fazer fotocópia dessas coisas, lá em 1982. Até tenho aqui, eu tô mexendo nisso […] o problema é que eu perdi a transcrição que eu fiz naquela época. Agora, tá tudo digitalizado. E o dossiê que eu encontrei era incompleto. Porque eu não tinha a sentença, eu não tinha nada. A gente não sabia nem qual era a história anterior dela, nem o que que aconteceu com ela depois. Então, eu inventei. Eu escrevi alguns trabalhos acadêmicos sobre isso, mas você não entra no detalhe. Nem pode imaginar a subjetividade das pessoas. Aí sabe quando você fica em dívida pra com uma pessoa? Ninguém nunca tinha ouvido falar dessa mulher. Eu achei essa mulher, no meio dos documentos não-classificados ainda. Aí eu me sentia assim: “um dia eu preciso dar voz a essa mulher”. E eu imaginava escrever, assim, um artigo. Mas é que foi ficando na minha cabeça. E, de repente, um dia, eu disse: “não, eu tenho que escrever um romance”. Aí, eu comecei a inventar a biografia dessa dona. Agora, já descobriram. Eu tenho acesso, se eu quiser, ao processo inteiro, do que que aconteceu com ela.
Essa ironia dela contribuiu para o aspecto da linguagem que você usou […]
Exato, entendeu? E aí, o que que eu fiz? Como eu não quero facilidade […] esse talvez vai ser o meu último romance. Aí, eu me pus o desafio de escrever numa linguagem plausível no século XVIII, e legível no século XXI. Isso que é curioso. Então, quando eu desconfio, eu verifico, palavra por palavra, se ela já tava em uso no século XVIII. Porque o Houaiss te dá a datação de quando a palavra aparece escrita – o documento mais antigo que se conhece com essa palavra escrita. E, sobretudo, também, é o jeito de escrever – a ordem, a sintaxe, a construção da frase, entendeu? Então, muitas vezes vem o verbo lá no fim, como se fosse em alemão. É um jeito de escrever, um jeito de falar, que é outro. E depois imaginar o que que pensava uma mulher daquele tempo. Por exemplo, eu sei que é impossível eu, com a minha cabeça de mulher feminista do século XXI, pensar completamente como ela. Mas eu posso imaginar o que ela não pensaria, mas eu tenho vontade de dizer. Então, o que que eu faço? Ela mesma se autocensura. Ela vai rasurando uma porção de coisas que ela escreve. E diz assim: “por certo têm razão os que me tomam por doida. Porque, de outro modo, como poderia eu estar pensando essas coisas que nunca ouvi outro dizer?”. Quer dizer, ela faz a crítica feminista da sociedade colonial, mas ela mesmo reconhece que ela deve tá doida de pensar uma coisa dessa. Então, ela rasura. Tem esse jogo da censura, a autocensura ao longo da carta. Ela tá presa, e ouve dizer que pela primeira vez uma mulher sobe ao trono – de fato para governar, em Portugal – e quem sabe, sendo mulher, vai entender o problema dela. Então, ela resolve escrever uma carta que ela não tem a menor ideia de como que vai chegar na mão da rainha, nem nada. E aí, um terço do livro já é as peripécias pra ela poder ter papel e tinta, pra poder escrever a carta. Porque isso não era óbvio.
O caderno da “Barbie” em Quarenta dias e o gênero epistolar utilizado em Carta à rainha louca têm em comum a confissão do eu-lírico sobre o papel. Há aí um paralelo interessante entre o tom confessional das personagens e as confissões que você, Maria Valéria, escutou como freira, não?
É isso, exatamente. Porque a gente dá uma confiança nas pessoas, e é verdade – que ela pode me contar tudo, que daqui não passa. Então, eu recebo montes de confidências. Não só de mulher – de mulheres, de homens, de rapazes, de tudo […] porque, primeiro: pra os jovens, eu sou a vó com a qual você pode conversar o que às vezes não dá pra conversar com a sua vó. Para os outros, eu sou aquela mulher que não oferece perigo, que não vai usar isso, que não vai aprontar, né? [risos] E pra o pessoal da minha idade, eu sou alguém que pode entender […] Então, a gente recebe muita confidência. E eu acho que é o papel que a gente tem mesmo. De receber. Eu não fico dando conselho a ninguém, eu ouço. Que muitas vezes o que a pessoa precisa […] afinal, a psicanálise é também isso, né? A pessoa que precisa dizer pra organizar e poder objetivar o que ela tá falando, e ter alguém que ouve. Porque, se não tiver alguém que ouve, a gente não sabe se falou, ou não. E eu sempre fiz isso, e acho que é parte do sentido da minha vida, também. É estar aberta pra receber as alegrias e as dores dos outros. Então, isso é muito importante. Com certeza, se eu fosse uma pessoa introspectiva – eu não sou nada introspectiva. Tanto é que me vem uma ideia que eu tenho que escrever, e eu digo logo: “da onde é que eu tirei isso?”. É porque eu não tenho fichário das confissões. Depois, mais tarde, quando eu releio: “isso era daquilo […]”. Quer dizer, tudo fica armazenado dentro da gente. Eu imagino assim: tudo que entra, é como se fosse peças de quebra-cabeças diferentes, mas todos misturados juntos. E a ficção, no fundo, é: com as peças originais de vários quebra-cabeças criar um novo.
Durante muito tempo, a ideia de se tornar freira esteve atrelada, também, ao desejo da mulher desenvolver uma formação intelectual. Coisa que as mulheres que se dedicavam exclusivamente ao casamento não tinham oportunidade. Quando você ingressou na vida religiosa, ainda havia essa percepção?
É, uma liberdade maior tanto intelectual, quanto física mesmo. Porque eu entrei numa congregação missionária. Tem a outra opção que é o mosteiro contemplativo – que é, por exemplo, toda a História, até o século XX: as mulheres que tinham aspiração intelectual […] era o único lugar onde elas podiam ler e escrever, e estudar, era nos conventos. Porque, inclusive, a maioria das mulheres era analfabeta, né? Eu vi agora um livro recente sobre o processo de alfabetização dentro dos conventos. Porque elas tinham que rezar o ofício em latim – lido em latim, e tinham que se alfabetizar. Então, como é que era a metodologia de alfabetização […] a própria Juana Inés de la Cruz, ela queria ir pra universidade. E tentou convencer os pais a deixar ela se vestir de homem pra poder ir pra universidade. Os pais não deixaram, então ela foi pro convento. Porque, no convento, ela podia ler e escrever, e falar o que ela quisesse – e conversar com quem ela quisesse. Porque o parlatório dos conventos tinha aquela grade, mas você podia receber visitas. Tinha a grade no meio, então você podia conversar com os homens, que estudavam, que tinham uma cultura literária, etc. Então, logo ela se tornou famosa e recebia visitas no parlatório, e tinha convescotes, vamos dizer, literários, entendeu? Como aconteceu […] tem várias outras – Teresa de Ávila. Tem um monte.
O que representa ser considerada uma escritora “fora do eixo”? João Pessoa exerce um papel influente na sua escrita?
Olha, eu sempre digo o seguinte: eu sou paulista, mas a minha literatura é paraibana. Eu vim pra Paraíba em 1976. O meu primeiro livro de ficção foi publicado em 2001. Ele tava pronto em 1997, 1998, por aí… Mas eu não quis fazer um livro. Aconteceu por acaso. Aí eu digo que é por osmose [escrever um livro na Paraíba], porque tem tanto escritor aqui bom. E aí é que tá, entendeu? A gente é “fora do eixo”, sim. Qualquer mequetrefe escreve qualquer coisinha lá em São Paulo e no Rio de Janeiro, e aí é um nome nacional, uma badalação. É barato pra editora, porque o cara tá logo ali. Bota logo, aparece na mídia dita nacional, que não é nacional, né? E pronto. Não é à toa que muitos vão embora pra lá, pra poder fazer carreira. Achando que vão ser escritores, etc. e aí vão escrever tudo a mesma coisa. Tá enchendo um pouco o saco você ler o livro do escritor que tá em crise porque não consegue terminar […] um jovem jornalista que aspira ser escritor. Então, ele tá em crise porque não consegue acabar o romance que ele começou a escrever sobre um jovem jornalista que sonha ser escritor, mas que tá frustrado porque não consegue editor pro romance genial que ele escreveu sobre um jovem jornalista que sonha ser escritor. Isso daí é antigo, gente. Vamo falar a verdade? Não leram A hora da estrela? Clarice fez isso sem precisar copiar ninguém, entendeu? Mas porque ela tava olhando pro mundo. Olha, por exemplo: uma vez teve um concurso que era pra escrever uns contos sobre a cidade de São Paulo. Aí, alguém ficou: “faz Valéria”, eu peguei e fiz um conto [intitulado Desejo]. Eu fiquei pensando: “quem é que vive na cidade de São Paulo?”. Porque a maioria dos outros autores escreveram sobre o que eles viam pela janela da casa deles, do apartamento deles. Falei: “não, não tenho apartamento. Eu quero escrever sobre a cidade inteira”. Aí, fiquei pensando: “mas quem é que anda na cidade inteira de São Paulo?”. Só taxista e motoboy. Então, o meu personagem é um motoboy. Porque, na verdade, as pessoas lá vivem em guetos. A gente, aqui, a gente vive na cidade inteira – de fato. A gente pode andar pela cidade inteira, que a cidade é pequena. Numa proporção e num formato, também, que ajuda, né? Então, na verdade, a gente, aqui, tem muito mais contato com uma variedade da vida. Pra uma escritora como eu, que não quer escrever sobre o meu próprio umbigo […] não sei, se eu tivesse em São Paulo, se eu taria escrevendo. Provavelmente, não – se eu tivesse ficado lá em São Paulo. Talvez em Santos, sim. Mas era pouco provável que eu tivesse ficado em Santos. Então, eu não tenho nenhuma dúvida. Eu acho que, talvez, isso venha do fato de que durante décadas se disse que a Paraíba era o estado mais pobre do Brasil. Então, quando você tem um pouco menos materialmente, você cria […] eu acho que é uma coisa de compensação. Quando a pessoa tá empanturrada, ela fica no sofá e não faz mais nada, não é? Enquanto que, quando você não tem excesso de consumo, você cria formas de satisfação que não dependem de dinheiro – que é a criação artística.
Sabemos que atualmente você tem trabalhado na organização do “Mulherio das Letras”, evento que acontecerá este ano em João Pessoa, de 12 a 15 de outubro. Você poderia nos contar o que é exatamente o Mulherio? E o que te incentivou a organizar um evento desse tipo?
Não, primeiro: não sou eu que organizo. Segundo: não é um evento, é um encontro. Então, na verdade, eu tive o azar de na hora de distribuir tarefa […] “abre um grupo no Facebook pra poder todo mundo conversar”. E aí ficou, lá, assim: “grupo criado por Maria Valéria Rezende”. Então, parece que eu criei a coisa. Eu não criei a coisa. Foi bem diferente disso. Como nos últimos anos – nos últimos três, quatro anos – as mulheres começaram a ganhar muito mais prêmios literários – porque as pequenas editoras alternativas começaram […] nessas editoras não têm discriminação. Se você for olhar o catálogo, a proporção de mulheres e homens, é quase igual. Enquanto que nas grandes editoras, é completamente desproporcional. Aí, a gente começou a andar. Começaram a chamar pra evento, pra prêmio, pra isso e aquilo. A gente começou a andar mais e se encontrar. E a gente era sempre a minoria, né? Então, eles botavam a gente na mesma mesa: as mulheres pra falar de mulher – que é no cercadinho, né? Pra você não invadir a área dos outros. Aí, a gente começou a conversar e trocar ideias, e ver como é que é diferente. Como é a dificuldade da mulher pra poder escrever, pra poder publicar. E isso durou uns dois – quase três anos. Sabe quando você tem uma coisa que tá no ar, e que precisava um catalisador? Aí, no ano passado eu fui um dia pra FLIP, e a gente começou a conversar. “A gente tem que fazer alguma coisa, a gente tem que se encontrar. Se não fossem esses eventos que a gente fica se conhecendo […] a gente só lê umas às outras, mas não tem […] porque é uma aqui, outra lá…”. Aí, a gente falou: “ah, vamos fazer um encontro!”. Alguém disse: “ah, mas tem que ser fora desses lugares, senão fica todo mundo se metendo… Não pode ser lá em João Pessoa? Ah, eu adoro João Pessoa…”. Eu falei: “olha, pode! Se o pessoal topar ir pra lá…”. Mas, de fato, do ponto de vista – se pensar no Brasil inteiro – é bastante central, né? Porque o pessoal pensa assim: “o centro do país é lá no Rio de Janeiro/São Paulo”. Não é! O país começa acima do Equador, e vai muito abaixo do Trópico de Capricórnio. São Paulo é o Trópico de Capricórnio, não tem sentido. Eu falei: “ah, eu acho que pode! Deixa eu chegar lá – ver, conversar, etc.”. Aí, quando ficou claro que dava pra fazer – que pelo menos espaço a gente tinha […] não temos nem um tostão, até hoje. Mas se o pessoal estava disposto a se autofinanciar pra vir… Aí, falei: “pode fazer aqui. Já arrumei as condições mínimas que é espaço e local gratuito pra gente poder fazer com uma infraestrutura”. “Ah, vamos abrir um grupo no Facebook pra chamar mais gente e vamos planejar o encontro horizontalmente”. Então, é palpite de todo mundo, e a gente foi acolhendo. Só que nós nunca imaginamos que aquele menino, o Santiago Nazarian, tinha escrito uma besteira na Folha de São Paulo, dizendo: “não, não há discriminação contra as mulheres. É que os homens estão escrevendo muito mais do que as mulheres”. E aí, ele sabia que não era isso. Mas a gente imaginou, assim, que umas iam adicionando outras conhecidas, e etc. E a gente pensava assim: “nós vamos achar umas quatrocentas!”. Sabe quantas mulheres tem? Não que todas sejam escritoras publicadas e etc., mas é gente que escreve, gostaria de escrever. Como eu já vi um monte de menino, cujo perfil no Facebook é “escritor”. O cara bota o nome dele e “escritor”, o nome dele e “poeta”. E não publicou nunca nenhum livro. Então, sabe […] você viu quantas pessoas tem? Quatro mil e duzentas mulheres. E todo dia tem mais. E foi assim de março a maio. Porque primeiro a gente fez tudo secretamente, senão a gente ia ficar doida. Inclusive, homem não entra nesse grupo, porque se tem quatro mil e duzentas mulheres, imagina se tiver mais mil ou dois mil homens chateando. Se torna inconversável. Inclusive, muita gente que tá dentro do grupo não tá se metendo muito, e tá ouvindo. E foi tudo sendo criado assim, até agora. E, no fim, a gente descobriu uma coisa muito legal, justamente através do grupo: que todas as mulheres, praticamente quase todas as mulheres que escrevem, elas são multi-artistas. Quase todo mundo ou é atriz ou é ilustradora, artista gráfica, faz sarau… Isso é outra descoberta. Alguém que fosse fazer uma pesquisa de doutorado sobre isso, não teria recolhido esse monte de dados, desse jeito espantoso, né? Então, quantas mulheres no Brasil aspiram, escrevem poesia em segredo? Tá lá, tá tudo lá. Quando começou a entrar tanta gente, eu coloquei uma pergunta que a pessoa tem que responder: “por que você quer entrar?”. Fomos perguntando, porque algumas pessoas pediram por engano, e já tínhamos mais de três mil pessoas. Aí algumas pessoas estão respondendo: “porque eu adoro ler, e eu também escrevo poesia, embora nunca tenha tido coragem de publicar”. Putz! Isso é uma pesquisa fantástica. Quando [com] os meninos é justo o contrário, né? O menino escreveu um negócio que ele acha que é poesia, tá publicado no dia seguinte, porque ele bota no Facebook dele. É completamente diferente. E a diferença não vamos atribuir às entranhas de ninguém.
Então, o que é que foi acontecendo? Primeiro que é um encontro, não é um evento. Porque quando o pessoal fala “evento”, já tem aquele padrãozinho: alguém, um produtor cultural bola um evento… Mesas, mediadoras, e estrelas com cachê. Faz todo o programa, depois vai atrás do dinheiro, e depois faz os convites. Leva dois anos esse processo. Nós estamos fazendo um encontro. Então, não tem mesa, certo? Se a Ana Maria Machado quiser vir, ela vem, mas não vai ter nenhum privilégio comparado com a menininha que escreve poesia escondido. Então, vai ser assim: nós recolhemos de todo mundo o que que você acha que são os temas pra discutir. Agora a gente tá tentando agrupar assim: um número de três, quatro perguntas, e vamos fazer o quê? Montar no Espaço Cultural várias barracas, e fazer rodas de debate que não devem ter mais do que cinquenta pessoas em cada roda. De maneira que todo mundo pode falar, certo? Mesmo que todo mundo queira o mesmo tema, a gente vai fazer oito rodas de debate sobre o mesmo tema. E no último dia, vamos pedir pra cada grupo fazer uma síntese da sua discussão. Uma síntese dividida em dois itens: 1) os consensos entre nós; 2) os dissensos que permanecem, que chamam pra mais discussão. E quem quiser, no ano que vem, faz outro encontro do Mulherio em outro lugar do Brasil, e já tem uma base pra continuar a discussão.
Ana Elisa Ribeiro, escritora e pesquisadora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, vem há alguns anos estudando o mercado editorial brasileiro e atualmente tem se concentrado no mapeamento da atuação de editoras mulheres. Você acha que ainda há uma discrepância muito grande em termos de oportunidades entre homens e mulheres nesse ramo? Se sim, qual seria o motivo? Já foi editada por uma mulher alguma vez?
Até agora, sim. Eu fui, sim. Meu primeiro livro saiu pela Editora Beca, de São Paulo – que já fechou, infelizmente. Que era um casal, apaixonado por literatura, mas que a vida inteira teve uma produtora de vídeo. Eles puseram o seguinte projeto: “quando a gente se aposentar, a gente vai abrir uma editora que não precisa nos remunerar. Só precisa se sustentar e publicar só o que a gente gostar”. E era um casal, mas a mais entusiasmada, quem ficava o tempo todo ali mesmo, era ela, a Marlene. Até O voo da guará vermelha é dedicado a eles, aos dois. Porque a gente ficou amigo. Eu ia pra São Paulo, ia pra lá, pra editora, bater papo. E ela ficou entusiasmada com meu livro e realmente foi legal – é a primeira edição do Vasto mundo. Depois, quando passei pra Companhia das Letras, era a Isa Pessoa que era a editora. Uma mulher, mas eu não acredito que ela tivesse um empenho especialmente em publicar mulher. Eu acho que aconteceu o seguinte: as pequenas editoras alternativas – Patuá, Penalux, Confraria do vento – essas pequenas editoras que publicam pequenas tiragens, e depois vai reimprimindo, conforme vai tendo saída […] que exigem menos de capital, que não têm que alugar um galpão pra guardar os livros, que não têm que mandar de caminhão, enfim […] que têm como limitação o problema da distribuição, mas eles fazem um trabalho muito bem feito. Eles têm critério pra saber o que publicar, ou não. Eu raramente vi publicado alguma coisa que eu acho que não merecia. Em geral, é boa qualidade. Eles estão fazendo um serviço de descobrir autores. Lá no Rio Grande do Sul tem, em Curitiba tem, tem vários lugares que têm pequenas editoras – em Fortaleza – que estão fazendo um trabalho editorial, de fato. Que selecionam o que é que vale a pena publicar, publicam com capricho e é inteligentemente feito. Essas editoras que têm um pé no mercado e outro pé no sonho… Elas têm um papel fundamental. Nos catálogos dessas editoras, é par e par, homem e mulher, porque o critério é a qualidade. E aí, o que aconteceu? Quando você olha as listas de finalistas dos grandes prêmios, a proporção de mulheres – e ganhadoras, inclusive – a proporção é muito maior do que nas listas dos catálogos das grandes editoras. Isso tá mudando! É um processo que ninguém planejou.
Em uma entrevista ao “Estadão” você citou Santo Agostinho… Como escritora, quais são os autores cristãos que foram e que ainda são importantes para você?
Olha, eu comecei a ler antes de me alfabetizar. Porque na minha família, tanto da minha mãe quanto do meu pai, havia escritores. E não tinha televisão. Televisão apareceu quando eu já tinha dez anos, e era uma porcaria. O que a gente fazia depois do jantar? Sentava na varanda e diziam-se poemas, liam-se contos, ou lia-se um romance – um capítulo por noite. E não era coisa de criança, era coisa de adulto. Então, eu digo: “eu comecei a ler”. E as crianças ficavam por ali, brincando de pegador no jardim. Mas eu ficava sentada, ouvindo. E ficava danada quando o meu avô dizia: “agora acabou esse capítulo, o resto só amanhã”. Meu avô tinha sido declamador quando ele era estudante, entre 1910, 1915. Ele foi estudar Belas Artes no Rio, e tinha pouco dinheiro, então ele arrumou um emprego de “intervaleiro de cinema”. Porque tinha um intervalo no meio do filme. Cinema mais chique tinha um piano de cauda, tinha uns caras que tocavam, etc. Mas o mais pobrinho não tinha piano de cauda, que era uma coisa muito cara, então eles contratavam declamadores. E meu avô sabia o “Navio negreiro”, “Juca Pirama”, tudo de cor. Ele era um artista. Então, a gente adorava. Com oito anos de idade, eu sabia o “Navio negreiro” de cor – e não era “poesiinha” pra criança. Eu toda vida li. Esse fato, de eu ler muito, sempre me fez ser apaixonada pelas palavras. Quando eu não tinha o que ler, eu lia dicionário. Então, a coisa mais difícil é eu dizer […] eu lembro a surpresa de ler, por exemplo, [Julio] Cortázar. A surpresa quando eu li Guimarães Rosa – que li em 1967, se não me engano. Meu avô que me deu. Eu li aquele livro e não achei nada demais, porque ele falava que nem o meu avô [risos]. É muito complicado, pra mim, dizer. Eu sempre li de tudo misturado. Eu não li necessariamente autores cristãos. Claro, Santo Agostinho é uma leitura fundamental. Tive que ler porque fazia parte da formação da minha Ordem. E as confissões de Santo Agostinho são uma belíssima obra.
Você desperta a admiração de muitas escritoras, que enxergam em você uma figura feminina forte e independente. Como você percebe e entende a própria influência sobre outras pessoas? Vê como algo positivo?
Olha, eu não sei se eu influencio. Eu acho que é assim: o fato de eu não ter nada a perder […] quer dizer, tem uma característica. Não é só que eu sou freira. É que eu comecei a publicar literatura com 60 anos, e nunca foi meu projeto de vida. Então, eu não tenho ansiedade nenhuma. Aquele primeiro livro, o Vasto mundo, quando ele saiu a primeira versão, foi por acaso. O que que eu fazia? Eu escrevia – às vezes, até pra entender. Eu despenco lá de Santos, que é um porto de mar completamente cosmopolita, internacional. No Rio de Janeiro, de São Paulo. Eu despenco no sertão de Pernambuco, despenco em Pilõezinhos, no brejo da Paraíba. Então, você tem que aprender tudo de novo. A falar […] tem que aprender os gestos, o que significam – porque não significam a mesma coisa. Você tem que aprender a comer outra comida, você tem que aprender uma porção de coisas. E, às vezes, também, os comportamentos, a cultura é diferente. Eu vinha de um meio urbano, eu nunca tinha vivido no campo, ou num meio mais rural, assim. Embora que eu conhecesse bastante o litoral todo. Minha vida tem mil etapas. Mas era mais uma vila de pescador e índio que eu conhecia assim, não-urbano, né? E aí, quando eu vim pra cá, muitas vezes pra tentar entender os comportamentos, eu tentava me pôr no lugar da pessoa. E como eu gostava de escrever – eu sempre tive paixão pela máquina de escrever, mesmo antes de saber escrever. Eu vivia batucando na Remington do meu avô – escrevia qualquer coisa e depois perguntava: “o que tá escrito aqui?”. E o que aconteceu? Quando eu não tinha dinheiro, e tinha que dar presente de aniversário pra alguém, eu escrevia histórias – pra tentar me pôr no lugar do outro. Eu pegava uma história daquelas, datilografava bonitinho, botava uma capa, e dizia: “esse é o seu presente de aniversário, escrevi pra você”. Uma vez, eu dei um conto desse pro Frei Beto. Eu tinha marcado um encontro com ele, e, de repente, me dei conta que era o dia do aniversário dele. Ia almoçar com ele, e no almoço levei pra ele: “olha, tá aqui o seu presente de aniversário”. E aí – passados uns três anos – me telefona um editor do Rio, pra me dizer que tinha lido um texto meu, que tava maravilhado, tinha mostrado pros outros editores, e queriam tudo o que eu tivesse. Eu falei: “Não, engano. Eu nunca mandei nada pra editora nenhuma. Não sou escritora”. E tava todo mundo espantado, porque ninguém conhecia o meu nome, mas que via-se que não era uma principiante. Aí, ele começou a ler pra mim, e eu falei: “ah, de fato, essa história fui eu que escrevi”. Aí eu fui catar, dentro de dicionário, batido à máquina, cópia em carbono… Fui catar tudo que eu tinha escrito, e depois eu percebi que havia uma série de textos que compunham um mesmo mundo. Aí, fiz o Vasto mundo. Então, eu não tenho ansiedade, e sou velha. E sou essa esquisitice de ser uma freira. Então, eu tenho uma liberdade pra falar com qualquer pessoa. Eu não tenho medo de nada, não tenho medo de gente. E, depois, eu tenho esse jeito de falar, assim, espalhafatoso. Eu não tenho nenhuma timidez, nunca tive. Eu fui criada pra não ser tímida, porque fui criada no meio de artista.
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RELEASE MALEMBE
A Malembe é uma revista literária impressa surgida em setembro de 2015, em João Pessoa/PB. Editada de forma artesanal por Guilherme Delgado, Carlos Nascimento e Débora Gil Pantaleão, a revista tem buscado a multiplicação dos espaços restritos. E por “restrito”, leia-se “possível”. A possibilidade do fazer. De fazer arte e literatura, e assim manter diálogos. Escritores estreantes ao lado daqueles que já inspiram uma caminhada duradoura. Experimentação e maturação propondo juntos. Como uma publicação dessa natureza tem de ser. Isso vem se traduzindo na colaboração cada vez mais significativa com outros estados. Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Ceará já colaboraram, trazendo a literatura que nos interessa agora. Entre as seções, há poesia, conto, crônica, artigos, traduções e entrevistas.
A quarta edição da Malembe, recém-lançada, é dedicada à autoria feminina. Da colagem de Layla Gabrielle (PB) que compõe a capa à entrevista com a querida Maria Valéria Rezende (SP/PB). Uma amostra consistente da produção dessas mulheres. A poesia de Amanda Vital (MG), Bruna Mitrano (RJ), Iolanda Costa (BA), Mariana de Matos (MG/PE) e Tyara Veriato (PB/SP) – essa última, estreando. A seção voltada à tradução tem Nina Rizzi (CE) traduzindo a poesia viva da argentina Alejandra Pizarnik. Na seção de contos, Aline Bei (SP) participa com “Eva”. Por fim, a historiadora Letícia Carvalho (PB) discute a invisibilidade das mulheres negras e sua resistência através da literatura, em artigo intitulado “A escrevivência de Conceição, os ônibus às 6h da manhã e a nossa história a ser conhecida”.
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